O que aprendi ao conversar sobre IA com um desenvolvedor experiente
“Mas ele é da TI… como não sabe disso?”
A frase me atravessou depois de uma conversa que desafiou minhas expectativas sobre o que é “saber tecnologia” em tempos de IA generativa. Foi esse estranhamento que me levou a escrever este texto — e compartilhar uma reflexão que pode ser útil para quem lidera, colabora ou simplesmente convive com esse novo cenário.
Ontem, conversando com um profissional da Tecnologia da Informação — formado na década de 1990 e atuante no mercado de desenvolvimento — percebi que ele não sabia que o ChatGPT (versão gratuita) não tinha conhecimento sobre o presidente atual do Brasil. Seus colegas de trabalho, segundo ele, chamavam de “alucinação” qualquer resposta errada ou fora de contexto dada pela IA.
Expliquei que o GPT (4) é treinado com dados até dezembro de 2023 e que, na IA, "alucinação" é um termo técnico, mais antigo, para quando o modelo inventa uma resposta com aparente segurança — mesmo estando incorreta.
Ele fez alguns comentários sobre prompts — e ali percebi outra diferença importante. A palavra era a mesma, mas estávamos falando de coisas diferentes.
Confesso: fiquei surpresa. No meu repertório, eu imaginava que profissionais de TI tinham esse tipo de informação como pré-requisito. Mas a conversa me fez pausar — e observar com mais empatia.
Afinal, a área de TI é vasta, e nem todo mundo que trabalha com tecnologia estudou ou acompanha de perto os avanços da IA generativa. Aliás, a maioria não precisou disso até muito recentemente. A IA está atravessando as fronteiras tradicionais entre setores, cargos e especialidades. E, com isso, surgem também os ruídos.
Quando o repertório não acompanha a decisão
Nem sempre os próprios times — técnicos ou não — sabem até onde a IA pode (ou deve) ir. E está tudo bem. O que não pode faltar, nesse contexto, é abertura para conversar com curiosidade, escutar com empatia e construir repertório coletivo. A comunicação entre áreas é essencial, e isso passa também por reconhecer os limites de cada um e valorizar o que cada parte traz.
Afinal, é no diálogo que as boas soluções nascem.
Essa experiência me ajudou a entender melhor uma situação que eu mesma estava vivenciando em um projeto real. Estou trabalhando ao lado de uma engenheira de dados e um engenheiro de TI no desenvolvimento de agentes inteligentes, baseados em fluxos criados com o time de aprendizagem. Ambos são competentes, comprometidos e estão estudando bastante.
Mas ali percebi algo essencial — e que eu mesma não havia considerado com a devida atenção: nem todo profissional de TI tem familiaridade com IA generativa, suas limitações, suas potências e seus riscos.
E mais: não basta saber programar para saber automatizar com critério. Assim como não basta ser curioso para entender IA com profundidade — é preciso intenção, prática e diálogo constante. Essa conversa me mostrou o quanto todos estamos aprendendo. E o quanto precisamos uns dos outros nesse processo.
Aliás, o profissional que mencionei no início atua como desenvolvedor, analista de sistemas, analista de testes e suporte técnico nível 2. Trabalha com ferramentas como SQL Server, MS Access e Quality Center. É alguém com uma trajetória sólida em TI — mas sua atuação sempre esteve voltada à qualidade de software e ao suporte, não à inteligência artificial. O que torna ainda mais claro: não existe uma TI única. Existem especializações, histórias e percursos distintos. E todos merecem ser respeitados.
Prompt não é tudo igual
Durante aquela conversa, percebi também que usamos a palavra "prompt" de formas diferentes. E isso pode causar confusão real.
Na TI tradicional, "prompt" muitas vezes se refere a comandos ou entradas em sistemas — como prompt de comando, scripts ou interfaces de entrada. São instruções diretas e técnicas.
Já na IA generativa, "prompt" é o termo usado para mensagens em linguagem natural que orientam o comportamento do modelo de linguagem. É parte de um campo chamado engenharia de prompt, que envolve design, clareza, contexto e intencionalidade.
Entender essas diferenças não é apenas uma questão de vocabulário — é essencial para construir pontes entre áreas e evitar ruídos que impactam diretamente na eficácia dos projetos.
Ou seja, mesmo falando a mesma língua, nem sempre estamos falando das mesmas coisas. E essa escuta atenta é essencial.
Todos temos lacunas
Eu mesma, com o repertório e a experiência que construí ao longo dos meus 30 anos de prática profissional, sigo descobrindo nuances e enfrentando dúvidas. E está tudo bem. Aprender, errar, testar, praticar e ajustar faz parte do processo — e, ao usar IA com responsabilidade, não é diferente. O importante é manter a consciência ativa e o compromisso com uma aprendizagem constante e ética.
Na prática, não se trata de eliminar todas as lacunas — mas de reconhecê-las e criar um ambiente onde o aprendizado constante é valorizado, e não punido. Essa é uma mudança cultural tão necessária quanto qualquer transformação tecnológica.
A questão é: precisamos ter consciência das lacunas que existem — e da importância de buscar repertório, compartilhar conhecimento e manter a curiosidade ativa. Porque o perigo não está em não saber. Está em agir como se soubéssemos tudo.
Essa reflexão é especialmente importante para quem está na liderança. Muitos gestores podem pensar, como eu pensei, que determinados conhecimentos são "óbvios" para os times técnicos. Mas a IA generativa trouxe novas camadas — e lidar com isso exige colaboração real, com empatia e atualização constante.
Quantas decisões estratégicas podem estar sendo tomadas com base em suposições não compartilhadas?
O que me ajuda a desenhar bons fluxos com IA
Embora minha formação seja em educação, UX e gestão de projetos — e não em tecnologia da informação —, tenho me dedicado a colaborar com equipes multidisciplinares no desenvolvimento de soluções com IA generativa. Para isso, venho construindo um percurso prático, fundamentado em aprendizagem contínua, trocas constantes e escuta ativa com profissionais de diferentes áreas.
Em meados de 2023, comecei desenvolvendo um sistema de prompts estruturados para aplicação em uma edtech. Com o tempo, esse trabalho evoluiu para a criação de assistentes mais refinados, ajustados em parceria com o time de aprendizagem. Atualmente, atuo no desenho de fluxos para agentes inteligentes, refinando essas soluções junto às equipes de TI das empresas em que colaboro.
Nesse processo, me apoio em quatro pilares que formam o meu framework IA4p:
- Fundamentos da IA: para compreender como os modelos funcionam, como são treinados, onde e por que erram, qual é sua base de dados e como operam integrados a arquiteturas técnicas. Esses conhecimentos permitem avaliar riscos e oportunidades com mais consciência.
- Engenharia de Prompt: para criar interações mais eficazes, seguras e alinhadas aos objetivos do usuário, obtendo respostas que realmente atendam aos propósitos do projeto e do processo.
- Diretrizes e Legislação: para garantir que os agentes respeitem princípios de ética, privacidade, transparência e responsabilidade, evitando usos indevidos ou incompatíveis com a cultura e os valores da organização.
- Potencialidade das Soluções: para conhecer as possibilidades reais das ferramentas de IA, avaliando o que cada solução entrega, suas limitações, em que contextos pode ser aplicada com segurança — e em quais convém adotar cautela ou uso temporário.
Sem esse repertório, corremos o risco de tomar decisões estratégicas com base em percepções limitadas, mesmo com boas intenções.
Não é sobre estar certo ou errado. É sobre aprender junto.
Este texto não é uma resposta. É um convite.
Um convite para observar com mais generosidade as lacunas que existem entre as áreas, entre as gerações, entre os mundos.
Talvez você, que me lê agora, também esteja vivendo essa experiência: de trabalhar com IA ao lado de pessoas muito experientes em tecnologia, mas que não sabem (ainda) como funcionam os modelos, como escrevemos prompts ou por que as IAs generativas podem dar respostas tão bem escrita quanto equivocadas.
Se estamos mesmo atravessando uma transição de era, que seja com escuta ativa, repertório compartilhado e curiosidade como bússola.
Porque curiosidade, quando compartilhada, também transforma cultura.
Para saber mais
Se você se interessa por esse tema e quer entender melhor os pilares do framework IA4p, acompanhe o projeto Curiosa.Mente. Aqui compartilho reflexões, aprendizados e provocações para quem deseja se aproximar da IA com responsabilidade, criatividade e sentido.
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