Minha trajetória: das máquinas de escrever à inteligência artificial



Minha trajetória: das máquinas de escrever à inteligência artificial

Eu tinha apenas 6 anos quando comecei a visitar o "trabalho do pai" — uma oficina de conserto de máquinas de escrever e calculadoras, em meio ao barulho das teclas, cheiro de graxa e bancadas cheias de engrenagens. Na Monteavaro Máquinas, ele atendia grandes clientes: escritórios de contabilidade, bancos, lojas como a rede Alfred e a Saco & Cuecão. A oficina ficava, inicialmente, na Rua Voluntários da Pátria, no centro de Porto Alegre, e meu pai levava a mim e ao meu irmão algumas tardes para “ajudar”. Lembro do cheiro do produto que lavava as peças, das bancadas ocupadas por máquinas desmontadas, da graxa que não saía das unhas — e do orgulho de ter uma mesa com telefone só meu (coisas da minha cabeça!).

Máquinas de escrever Olivetti, Línea e Remington - populares na época.

Aos 9 anos, comecei a atender ligações, anotar recados e, muitas vezes, ficava sozinha na sala enquanto os mecânicos saíam para os chamados. Gostava de olhar pelos janelões antigos do prédio, observando os transeuntes nas calçadas. A partir dos 13, já desmontava e montava as máquinas de escrever sozinha. O pai e os mecânicos me ensinavam com paciência — eu ficava em volta, observando tudo com curiosidade, perguntando, querendo "consertar" as máquinas também. Com o tempo, desenvolvi um método para dar conta do volume: numerava cada máquina nas bancadas, organizava caixinhas, lavava os tipos, os cilindros (que precisavam ser lixados para retirar marcas), as peças de acrílico ou metal, preparava os reparos com acrílico líquido ou cola especial, testava cada tecla. Depois, deixava tudo pronto para devolução, com um papel datilografado que dizia: “Limpeza e manutenção concluída”. Esse papel geralmente era feito com fita preta ou vermelha e fixado no cilindro da máquina. Cada equipamento tinha sua ficha, seu número de registro, e cada cliente, seu histórico.

Aos 15 anos, passei a estudar à noite e trabalhar o dia todo com meu pai. Mas os clientes já estavam diminuindo. Poucos anos depois, avisei que os computadores estavam chegando e que era hora de se atualizar. Ele sempre dizia: “Nada substitui uma boa máquina de escrever.” E foi ficando. A oficina fechou. Meu pai se aposentou. Minha mãe passou em um concurso público e assumiu o sustento da família.

Depois que saí da oficina, trabalhei por três meses em uma empresa que vendia peças de trator. Foi ali que aprendi a usar o telex — uma tecnologia fascinante para mim, na época. Eu digitava os pedidos de orçamento em um teclado que gerava uma fita perfurada. Essa fita era conectada ao sistema de comunicação, e o conteúdo era enviado para fornecedores em todo o Brasil. As respostas também chegavam em fitinhas, que o telex traduzia em texto. Achei aquilo revolucionário.

Logo encontrei uma forma de aumentar a produtividade: como os pedidos eram quase iguais, criei fitas com o texto-padrão e outras com cabeçalhos personalizados. Bastava encaixar uma na outra conforme o fornecedor, e o trabalho fluía com mais rapidez.

Depois disso, atuei no crediário e no caixa de uma loja de calçados por cerca de um ano. Com 18 anos, entrei para uma imobiliária que estava justamente começando a implementar computadores. Era como entrar em outro mundo: silencioso, limpo, com telas que respondiam sem graxa, sem cilindros. Fiz os treinamentos. Ali, iniciei oficialmente minha trajetória no universo digital — mas a base desse caminho já havia sido construída anos antes, na oficina e nos teclados das tecnologias que me atravessaram desde a infância.

Telefone sem disco, Telex e Computador de mesa.

Hoje, olho para essa história com carinho e compreensão. Meu pai foi um profissional competente, mas não acreditou que uma tecnologia pudesse tirar o seu ganha-pão. Vejo isso se repetir em muitos profissionais e negócios que resistem às mudanças tecnológicas — como acontece agora com a inteligência artificial. Não se trata de abandonar o analógico (que continua tendo seu valor), mas de buscar um letramento digital que permita compreender riscos e oportunidades com clareza.

A inteligência artificial talvez esteja, para muitos hoje, como o computador esteve para o meu pai: uma novidade subestimada, vista como modismo. Mas trata-se de uma mudança de paradigma. Assim como as máquinas de escrever foram superadas, muitos modelos atuais correm o risco de se tornarem obsoletos.

Cabe a nós decidir: vamos esperar fechar as portas? Ou vamos abrir janelas para o futuro?

Essa jornada me ensinou que observar, aprender, adaptar e refletir sobre as práticas sempre foi o meu caminho — das teclas duras da Olivetti às interações com a inteligência artificial. E continua sendo.

Imagem gerada por IA, representando a minha "visita" na Rua Voluntários da Pátria, década de 80.


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Comentários

  1. Que belo texto, Vivi. Perfeita comparação de como as "tecnologias" da época estão para as de hoje e principalmente o modo de como as pessoas as veem.

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